Diversos A Diversos
- Cine Inês

- 25 de jun. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: há 3 dias

TERMO DE ABERTURA do livro CANTOS CORRENTES
CuraTela da Inexposição Madame Pochette
Sinopse A protonauta Agnes Dellacroix consente participar de uma transferência de alta volatilidade, quanto à compatibilidade entre a configuração espectral do ser e a configuração perceptual da sede condicionante.
Submetida a uma confecção experimental de energiaria táxtil de grande incerteza, ela não conta com recursos apropriados, plurais e diversificados, para enfrentar as eventuais imposições sensoriais às quais estará sujeita. O único instrumento garantidor com dose razoável de confiabilidade é a possibilidade de um imaginário diálogo com uma espécie de alter ego, ou um contraponto de alteridade, representado por um cantor, Paulinho da Vila.
O objetivo da transferência é aprofundar os estudos sobre concepções, intensamente debatidas pelos kyneaztaz e kryptykoz, a respeito de um suposto e possível estatuto fenomenológico do inexversus, e que os arquitextores decidem testar com o uso de recentes aprimoramentos na tecnologia de transferência de vultos (seres espectrais).
ATA DE LANÇAMENTO
Pareceres, previsões, orientações dos arquitextores, em mesa redonda no gabinete da Coxia, em Cine Inex.

Tema 01 - ERA UMA VEZ
Tema 02 - DE OLHO NA TELA
Tema 03 - A NOITE AMERICANA
Tema 04 - PERSONA
Tema 05 - LIMITES
Tema 06 - NA TRILHA DA MÚSICA
Tema 07 - CAFÉ SOCIETY
Tema 08 - LINHA DE MONTAGEM
Tema 09 - ASSINATURAS
Tema 10 - THAT´S ENTERTAINMENT!
Tema 11 - THE TALK OF THE TOWN
Tema 12 - ESCOLA DE CINEMA
ANTES DO LANÇAMENTO
Bom dia, tenho uma reunião com o Auditor-Mor às dez.
Só anunciou depois que a atendente levantou os olhos da agenda (que parecia estar consultando).
Nome?, ela perguntou, quase emendando a sua fala na dele.
Nihil.
Diante da resposta, continuou a olhar para ele, como se estivesse esperando complementar a informação. Ele permaneceu silente, sem entender o que poderia estar faltando.
Ah, sim, disse ela após alguns segundos, voltando a consultar a agenda. Nihil Ultra, às dez. É que temos um outro Nihil, mas às onze. Nihil Obstat. Confundi os nomes e horários. Desculpe.
Estou dentro do horário, então? Sim, claro, tranquilizou a recepcionista. Não só no horário mas oportunamente antecipado: há uma solicitação de que tome conhecimento destes dois volumes aqui, antes da reunião.
Estendeu a mão sob a mesa, abrindo uma gaveta, e retirou de lá dois livros que lhe entregou em seguida. Obrigado, respondeu Nihil, buscando com o olhar uma poltrona onde pudesse sentar para abrir e folhear com atenção os livros.
Aguardo então ser chamado? Sim, por favor, tem ainda meia hora para um breve exame desses dois volumes.
PLANO DE CANTOS
Escolhendo uma poltrona discretamente disposta em um dos cantos do saguão, abriu o primeiro livro, intitulado Plano de Cantos. Não era bem um livro, mas quase um caderno. Já havia tomado contato com ele. Isto é, não propriamente com aquela brochura, mas com uma espécie de referência a ela. O simulacro de um livro de Contas Correntes que encontrara dentro de um envelope, transfigurado em correspondência, portador da mensagem que o convocara. Logo na primeira página deparou com um texto disposto em forma de poesia:
Os sete canais de Santos, sete cantos correntes,
torrentes de memórias, muitas histórias,
fluxos de notas, sete
como no antigo hino do joão josé menino
à ponta da praia,
que espraia a escala
em graus do mar para os grãos da areia.
Não conseguiu captar nenhum sentido especial nas alusões extraídas a partir dos canais de irrigação com que o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito marcara a paisagem urbana de Santos desde inícios do século vinte.
Prosseguindo a leitura, estranhou ainda mais o que lhe pareceu uma incoerência, pois encontrara um aviso, em tom misto entre cautelosa recomendação e incisivo alerta, para que identificasse os possíveis cantos que perpassariam os nove canais. Nove, não sete, como o texto apontava. Havia ainda um Canal Zero e um Canal N, além dos sete cantos correntes.
Parou um pouco para refletir sobre uma hipótese, que o acometera, de vinculação entre seu nome, Nihil, e os dois canais adicionais. Nihil é nada. Zero é nada? Nihil é Zero? E o N de Canal N seria o mesmo N de Nihil?
Tinha pouco tempo para se dedicar a tais suposições. Seria mais um vôo de pássaro sobre a orla, mal dando para pairar sobre cada canal. Por isso, continuou a folhear o primeiro livro, e deparou com algumas observações e anotações, todas incompletas. Deduziu que estava ali o desafio que o Auditor-Mor lhe propunha, iniciar já uma estruturação dos Cantos Correntes, listando os cantos ou contas envolvidos nos contos ou lançamentos que deveria examinar, como auditor. Os personagens, lugares, ambientes e outros elementos que comporiam o ativo e o passivo da contabilidade que certamente iria auditar. Começou então a elaborar uma lista fadada a crescente e imprevisível ampliação, atento aos mínimos rabiscos que ia encontrando nas bordas das páginas.
LEITURA DOS AUTOS
Passou então ao segundo volume, pois o tempo que lhe restava estava ficando exíguo. Relatórios de investigações do Auditor sobre o conteúdo do Bahu. Bem, acho que isso é tudo, pensou e imediatamente sentiu que não, certamente não era. Deveria ter muito mais, mas é o que ficaria por fazer. E aí talvez não bastassem apenas os autos. Eles poderiam ser somente registros frios, pistas fugazes de fatos e atores, escapando aos sensores limitados da escrita, que demorariam a esquentar no mapa térmico da realidade. Seriam, apenas, pontos de partida. Contudo, no universo contábil das partidas dobradas, rastrear o histórico de algo haveria por certo de retornar ao auto original, revelando novos elementos, novos contextos, nuanças. Foi com essa crença, ou talvez esperança, que se lançou ao trabalho. Aos lançamentos.
LANÇAMENTOS DO CANAL ZERO


Comentários