A UMA ALMA (uma prece, ao que parece)
- Cine Inês

- 19 de jan. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 8 de dez.

Uma espécie de prece, ou contraprece, em formato de Canção, com que o guarda-livros declara sua escolha diante da questão existencial retratada numa peça teatral exemplar. A questão do ser ou não ser. À qual o contador, na postura de cantador, responde com a negação. Ou, melhor, com a renúncia.
Duas condicionantes tecem o pano de fundo da questão. E da escolha.
Primeiro, uma complacente tolerância com a crença religiosa na imortalidade da alma. Reduzida pelo guarda-livros a uma dúvida, ou não certeza, sobre a confiabilidade da aposta, ou pressuposto, espiritual.
Segundo, uma dúvida sobre a origem, e autoria, da prece-canção. Teria sido escrita pelo próprio guarda-livros? Nunca se soube de algum registro, escrito ou gravado, ou sequer testemunhado, que pudesse atestar ou indicar a condição autoral. Diz-se ainda de que seria invencionice de um cançonetista luso, a partir de uma conversa com antigo amigo carcamano, convertido a certa altura da vida a certos dogmas, propalados como evidências científicas. Ou ainda que proviria de deslumbramentos criativos de um menestrel marginal da vida urbana, habitante do vão de uma ponte sobre um curso de água.
E terceiro, por fim, a presunção do grande dogma, de que um ente teria a condição de conceder ou não a graça da não existência, atendendo ao desejo de renúncia.
Diz-se também que o guarda-livros, no caso da impossibilidade de ter satisfeito seu intento, decidiria viver a sua imortalidade na condição de um eterno marginal. Como o menestrel.
A UMA ALMA
(uma prece, ao que parece)
A uma alma
Que deseja
Que não seja
Ser sem fim
Que assim alcance
O seu sonho num relance
Assim seja, seja assim.
Desperta, enfim
Do pesadelo de existir
Liberta, enfim
Da dura pena de existir
Que a condena a existir.
Desapareça
O pesadelo de existir
E adormeça
No sono de não existir
No abandono de existir
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Que assim se faça
Dar a uma alma o elixir
Sorver a graça
De nada ser, de dexistir
De ser sem fim, inexistir.
A uma alma
Se almeja
Se deseja
Que não seja
Que assim alcance
O seu sonho num relance
Assim seja, seja o fim.


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